sexta-feira, 23 de julho de 2010

ÁCIDO LÁTICO E OXIGÊNIO PARTE I

No artigo "MECANISMOS DA FADIGA MUSCULAR", observamos que em exercícios de alta intensidade, os músculos esqueléticos entram em fadiga e há uma grande produção de lactato, íons fosfato (PO4-) e íons hidrogênio (H+). Por muito tempo atribuiu-se à acidez causada pelo ácido lático um papel de vilão neste processo. Entretanto, algumas perguntas surgiram nos últimos anos, tais como: será que o músculo produz ácido lático? A produção de ácido lático é a responsável pela queda da acidez? A produção de ácido lático é consequência da falta de oxigênio no músculo (exercício anaeróbio)? A queda no pH é a responsável pela fadiga muscular? Tentaremos responder estas perguntas nas próximas edições, que serão produzidas pelo nosso grupo de colaboradores do Laboratório de Bioquímica de Proteínas – LBP.

Para começar, precisamos entender como nossas células musculares utilizam energia e como são capazes de renová-las. Quando nos referimos à utilização de energia, neste artigo, nos referimos a transdução de um tipo de energia em outra, apenas para reforçar o conceito de que a energia total do sistema é constante.

O músculo esquelético humano é capaz de produzir força a partir da interação entre duas proteínas que são chamadas de actina e miosina. Quando o nosso sistema nervoso envia um sinal elétrico para o músculo, acontece um aumento da concentração de cálcio (Ca+) dentro da célula (meio intracelular). O aumento de Ca+ é o sinal para que a miosina se ligue fortemente na actina e desloque-a produzindo tensão muscular. Para relaxar, o Ca+ sai do meio intracelular e volta para o local de armazenamento (Retículo sarcoplasmático). Basicamente, este é o mecanismo pelo qual o músculo gera força (figura 1).



Para que este ciclo de eventos aconteça e se repita várias vezes durante o exercício, a nossa célula muscular deve ser capaz de utilizar energia química armazenada e renovar rapidamente o pool desta energia. Um dos maiores estoques de energia química está sob a forma de adenosina trifosfato (ATP). Como o próprio nome sugere, o ATP possui três ligações fosfato que quando são hidrolisadas (hidrólise: corte pela água) fornecem energia para a contração muscular (interação entre actina e miosina). Portanto, nossas células musculares necessitam de um estoque de ATP e, mais importante, precisam renovar esses estoques rapidamente para manter a função celular. As células possuem diversas estratégias para manter e renovar os estoques de ATP. A renovação de ATP é feita através de vias metabólicas que, por reações enzimáticas, mobilizam a energia química de algumas moléculas (açúcares, gorduras e proteínas) presentes na alimentação ou de compostos energéticos da célula para ressintetizar ATP. A célula muscular pode ressintetizar ATP através de reações enzimáticas que acontecem no citoplasma (líquido dentro das células) ou nas organelas chamadas mitocôndrias (figura 2).

As reações que acontecem no citoplasma não dependem da presença de oxigênio, enquanto que algumas das reações enzimáticas das mitocôndrias necessitam. No citoplasma, o ATP pode ser renovado a partir da quebra da ligação de fosfato a creatina, de um composto chamado creatina fosfato (CrP), de moléculas de adenosina difosfato (ADP) e da oxidação de moléculas de glicose (processo chamado de via glicolítica ou glicólise). A reação catalisada pela enzima creatina quinase (CK) forma um ATP a partir de CrP. A myokinase utiliza dois moles de ADP para síntese de um ATP e a via glicolítica é composta por uma série de dez reações enzimáticas, além de ter rendimento líquido máximo de dois moles de ATP por mol de glicose. O produto final da glicólise, chamado de piruvato, e as gorduras, podem ser oxidados pela mitocôndria para ressintetizar ATP. Os processos nas mitocôndrias possuem várias enzimas envolvidas, são mais complexos e capazes de gerar mais moles de ATP do que os sistemas citoplasmáticos.

Experimentos realizados na década de 20 mostraram que se as células musculares fossem colocadas em um ambiente sem oxigênio (anaeróbio), a quebra da CrP e a glicólise no citoplasma aumentariam consideravelmente sua velocidade, tornando-as o principal meio de ressíntese de ATP. Sem O2, o piruvato é convertido a lactato para manter ativas as reações da glicólise. Isso levou os pesquisadores a concluir que na ausência de O2, a célula muscular produz lactato para sobreviver. Entretanto, será que isso acontece durante o exercício? Será que, durante exercícios de alta intensidade, há baixa de O2 na célula muscular e, consequentemente, as mitocôndrias param de funcionar? Na próxima edição, discutiremos os experimentos que demonstram o funcionamento normal das mitocôndrias, durante as mais altas intensidades de exercício e que não há diminuição de O2 na célula muscular. Na realidade, as mitocôndrias funcionam com maior velocidade durante o exercício intenso. Mas este assunto fica para o próximo artigo.


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João Pedro Werneck de Castro1,4 & L. C. Cameron1, 2, 3

1 Laboratório de Bioquímica de Proteínas -Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
2 Instituto de Genética e Bioquímica - Universidade Federal de Uberlândia
3Programa de Pós Graduação em Ciência da Motricidade Humana - Universidade Castelo Branco
4 Departamento de Biociências da Atividade Física – Escola de Educação Física e Desporto da UFRJ

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